22 fevereiro 2016

"Retornos, Exílios E Alguns Que Ficaram"







Recebe-nos uma impavidez ríspida e burocrática. Nome, proveniência, duas cruzes no sítio certo, num processo mecânico e agreste. O calor ficou no barco. O conhecido, o familiar ficaram lá longe, na terra em que o céu e as estrelas estão mais próximos e a chuva cheira diferente. 

“Retornos, Exílios E Alguns Que Ficaram” é uma notável reconstrução de um passado intimamente sussurrado e “oficialmente” esquecido. Sabia que o processo de descolonização tinha sido conturbado e até traumático, mas desconhecia até que extensão e confesso que nunca tinha verdadeiramente reflectido sobre a sua natureza e implicações! E esta peça da companhia “Teatro do Vestido” é exímia nesse propósito, através de um cuidado e extenso trabalho de investigação, de uma encenação interventiva e sagaz e de interpretações enérgicas e valorosas! Bravo, Joana Craveiro, André Amálio, Isabelle Coelho, Rosinda Costa!

Porque mais do que contar esta História, faz-nos mergulhar nela de modo emocionante e quase íntimo! Sentimos a força dos testemunhos, a graça e a dor. Vivemos a incerteza e a cadência atemorizada do suor dos últimos dias em Luanda. Dançamos a espontaneidade das festas em Lobito. Arrepiamo-nos com o sufoco do retorno ou do exílio, o abandonar forçado de um presente feliz para um desconhecido inconstante…”E foi isto que me contaram…” A tal não é alheio o “palco”, o Solar do Vinho do Dão, onde a peça encontra uma sublime envolvência e até curiosa familiaridade, visto ter funcionado como uma das extensões do IARN. 

“Retornos, Exílios E Alguns Que Ficaram” não apazigua a memória, antes levanta o véu e faz-nos reflectir e falar sobre um passado próximo e enevoado, quase enterrado, que clama pela reconciliação.


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