A crítica que se segue compreende as duas temporadas de The Fall. Contém spoilers!
“Someone asked men why they were so afraid of women. They answered:
We’re afraid they might laugh at us.
Someone asked women why they were so afraid of men. They answered:
We’re afraid they might kill us.”
Uma tensa e sombria Belfast alberga uma encruzilhada de perseguição, violência e morte. Santíssima Trindade que orienta o modus operandi de dois solitários caçadores – Paul Spector e Stella Gibson – num vínculo tão perturbador quanto irremediável.
E porquê perturbador, porquê irremediável? Primeiramente, e de modo exemplar e magnético, o pormenor em nos ir revelando subtis paralelismos entre personagens que se “quereriam” antagónicas. E contudo, apesar de no seu núcleo serem indivíduos singularmente diferentes, ambos parecem partilhar um passado problemático, ambos querem estar em controlo e ambos agem de acordo com os seus impulsos, ambos registam em papel desejos e planos. Uma caracterização que achei curiosa. Depois, porque a própria narrativa toma partido dessas parecenças e da inerente dualidade dos seus protagonistas, explorando eficazmente quer a sua frieza quer a sua vulnerabilidade. Spector é o assassino, temível, repugnante e fraco, e Spector é também um pai que ama incondicionalmente a sua filha. Gibson é uma detective conceituada, inteligente e implacável, e Gibson é também quem acorda a meio da noite e se refugia dos pesadelos nas páginas de um caderno.
É fácil de nos apercebemos que em “The Fall” não importa tanto o destino quanto o longo caminho que percorremos até lá. O seu ritmo pausado e paciente permite um desenvolvimento sólido do argumento, numa concretização viciante do seu potencial. É a exploração exímia e quase que comparativa dos assassínios de Spector e da investigação de Gibson que nos absorbe por completo; é o omnipresente ambiente enigmático, lúgubre e agreste que nos envolve em tensão; é o incansável e dinâmico jogo de perseguição que nos manipula e ilude sucessivamente.
Simultâneos mestres e peões neste confronto, Spector e Gibson digladiam-se vigorosamente e quão prazeroso é assimilar cada ímpeto das suas interpretações! Jamie Dornan é surpreendente e magnífico na criação de uma personagem que tem tanto de desprezível e doentio quanto de carismático; por sua vez, Gillian Anderson arrebata-nos com o seu porte charmoso e seguro, e com a sua determinação e frontalidade. Atentem nas cenas dos assassínios ou no “normal” dia-a-dia de Spector e na (quase) totalidade das falas e actos de Gibson e facilmente concordarão comigo! E a tão esperada confrontação entre Spector e Gibson? Grave e hipnótica!
A perfeição é difícil de alcançar…e “The Fall” não é seguramente perfeito. Falhou ao incluir histórias secundárias dispersas e sem aparente contribuição para a narrativa principal, como por exemplo, a criminalidade do ex-marido de uma das vítimas e a corrupção de um dos agentes policiais que culmina no seu suicídio. E a conclusão da segunda temporada pareceu-me algo precipitada. Se não houver continuação, é um final muito em aberto que nem sequer é satisfatório – Spector terminar assim de forma tão abrupta e apressada desiludiu!
Mas a perfeição é sobrevalorizada e o facto inegável é que “The Fall” é um possante thriller psicológico, sufocante e enigmático, que explora de modo viciante e hábil a relação mutável predador-presa, seja através da narrativa sedutora e rude, seja pelas grandiosas composições dos seus irresistíveis protagonistas.