29 novembro 2014

Interstellar






Amor entre galáxias. Amor que desafia o espaço-tempo, amor que cria “wormholes”, amor que persiste e luta por entre a vastidão do universo (in)finito. 

Em “Interstellar”, o amor é a força motora. Uma viagem intergaláctica e multidimensional (literal e metaforicamente, acrescento) que, na sua luta por sobrevivência, se redime pelo amor. Pois se é verdade que a construção visual da sua premissa é hipnoticamente exímia, pois se as questões e hipóteses científicas que levanta nos intrigam e estimulam, não há dúvidas que é a componente emocional da sua narrativa que notoriamente nos prende ao ecrã. Se a visão do Gargantua ou a passagem pelo wormhole nos fascinam, são o desespero e a perseverança de Cooper que verdadeiramente nos comovem. As suas lágrimas são tanto ou mais impressionantes que os hercúleos tsunamis do planeta aquoso. E isso diz-me muito. Não com tanta elegância ou eloquência como outros o poderão fazer, mas nem por isso com menos significado ou sentimento.


22 novembro 2014

Nuit et Brouillard





É um murro no estômago que como que nos drena todo e qualquer sentimento de esperança, de felicidade. Que nos rouba algo de nós para que nunca esqueçamos o que vimos. De que outra forma podemos reagir a tal sucessão de horror e monstruosidade?

“Nuit et Brouillard” foi um dos primeiros projectos a lidar abertamente com a realidade do Holocausto. É de forma crua e direi “descomplexada” que a retrata, intercalando de forma extremamente perturbadora a quietude do agora (1955) com o horror vivido nos campos de concentração. Um horror indescritível, inumano, ditado pela violência física e psicológica, pela perda de dignidade e pela perda da própria identidade. São os cadáveres emaciados, a longa extensão de cabelos femininos, os corpos esqueléticos. São os olhos abertos na morte, os objectos e roupas dos prisioneiros, os ossos e tecidos carbonizados. É um horror que nos persegue pela sua magnitude e calculismo, atormentando-nos não só com a perenidade das suas imagens mas também com a inevitabilidade das questões “Como foi possível que esta abominação tenha acontecido, como foi possível construir e ter posto em marcha esta incansavelmente eficaz máquina de morte?”.

Indiscutivelmente gráfico e chocante, o documentário de Resnais não se esconde do seu objectivo nem lamenta a sua frontalidade. Porque o seu efeito não nos deve nunca abandonar para que a memória deste horror nunca se desvaneça na “noite e no nevoeiro”. 


“Il y a nous qui regardons sincèrement ces ruines comme si le vieux montre concentrationnaire était mort sous les décombres, qui feignons de reprendre espoir devant cette image qui s’éloigne, comme si on guérissait de la peste concentrationnaire, nous qui feignons de croire que tout cela est d’un seul temps et d’un seul pays, et qui ne pensons pas à regarder autour de nous et qui n’entendons pas qu’on crie sans fin.” 

Excerto do texto de Jean Cayrol, narrado por Michel Bouquet no filme 
 (retirado de: http://www.cineclubdecaen.com/realisat/resnais/nuitetbrouillard.htm)


19 novembro 2014

Bobby







Intenção admirável que infelizmente não se concretiza num projecto sólido ou verdadeiramente emocionante.

Dia: 4 de Junho de 1968. Local: Ambassador Hotel, onde Robert F. Kennedy discursará para a campanha presidencial. Objectivo: ao longo das horas que antecedem o seu assassinato, mostrar como os ideais de Kennedy marcaram e influenciaram a vida de várias personagens. O problema é que estas pouco mais são que estereótipos da época, isto é, reconhecemos as suas causas/lutas mas no fundo não somos capazes de estabelecer uma nítida relação emocional com elas, excepção talvez para as personagens de Sharon Stone e de Anthony Hopkins. Para além disso, nem sempre é evidente o tal impacto de RFK nas suas vidas: que dizer, por exemplo, do casal interpretado por Demi Moore e Emilio Estevez? Ou seja, para mim, este formato narrativo não funcionou, não só pelo excesso de personagens mas principalmente pela incapacidade de estas demonstrarem o efeito da “mística” de Kennedy, digamos assim.

É que ela, essa “mística”, até está presente, mas não através destas personagens: antes pela voz do próprio Kennedy, na incorporação, ao longo do filme, de alguns dos seus discursos e declarações mais significativos e inspiradores. Sentimo-nos, desta forma, em contagem decrescente. E quando o momento chega, estamos realmente perante a melhor sequência do filme. Emotiva, contundente, demolidora. Neste caso, não apenas pela inclusão perfeita do discurso de RFK face ao assassinato de Martin Luther King, mas porque finalmente já nos é permitido sentir a dor e o desespero das personagens face ao sucedido!

Desta forma, e apesar do seu fulgor final, “Bobby” falha claramente no seu cerne: o de nos conduzir, através (e unicamente) das acções desta amálgama de personagens, aos sentimentos de esperança e mudança que Bobby Kennedy inspirava nesses finais conturbados dos sixties.


"Surely, we can learn, at least, to look at those around us 
as fellow men, and surely we can begin to work 
a little harder to bind up the wounds among us 
and to become in our own hearts brothers 
and countrymen once again."

excerto final do discurso "The Mindless Menace of Violence", 
proferido por Robert Kennedy a 5 de Junho de 1968



13 novembro 2014

The Third Man






Nunca me irei esquecer da sombra altiva e cruel de Harry Limes. Nem das suas mãos em súplica através das grades da sarjeta. Também nunca me irei esquecer da sublime composição musical de Anton Karas, tensão em crescendo. Nem da Viena sombria e misteriosa e dividida. Liberdade ou justiça, amor ou honra?

Notável noir, "The Third Man" é um intrigante e irresistível jogo de gato e rato que tem no magnífico Orson Welles a sua peça maior. Para além das cenas já referidas, como é possível ficar indiferente àquele arrepiante discurso na roda gigante, tão compassado e ameaçador?

Destaco ainda a excelente interpretação de Joseph Cotten, agitador (in)consciente de toda a narrativa, e a hábil realização de Carol Reed, que constrói, de modo subtil e magnético, o ambiente de tensão e mistério que nos envolve ao longo do filme!






"The old limelight. The fall of the curtain. 
Oh, Holly, you and I aren't heroes. 
The world doesn't make any heroes outside of your stories."


04 novembro 2014

Gone Girl






Ela vira-se para ele, rosto perfeito e indecifrável, olhar fixo e impassível, prolongado com a promessa do inatingível. 

“What are you thinking? What are you feeling? 
What have we done to each other?”

“Gone Girl”, o livro, dissecou, de forma magistral e contundente, a temível possibilidade de não conhecermos realmente quem está ao nosso lado, a pessoa que consideramos a nossa “alma gémea”, numa estonteante e arrepiante viagem pela fragilidade e bestialidade das relações humanas, desde a questão “Amor: compromisso ou desafio?” à leviandade da sociedade e media actuais. 

“Gone Girl”, o filme, é a certeza de que a perfeição existe. Mais que um fiel discípulo, é uma vibrante e crua adaptação, construindo de modo avassalador o ambiente de incerteza e tensão da obra-mãe. Porque é em constante parte incerta que o filme nos coloca, duvidando e questionando: o que aconteceu, quem é bom e quem é mau, o que raio aconteceu mesmo, existem sequer bons ou maus nesta história? Não tinha a certeza se iria conseguir sentir tudo isto, uma vez que já tinha lido o livro, mas Mr.Fincher, senhor thriller, superou, se tal é possível, as minhas expectativas! 


“She may be the mirror of my dreams
The smile reflected in a stream
She may not be what she may seem inside her shell” 
(“She”, de Elvis Costello)


Ela. Incrível Amy. Amy Elliot Dunne. Perfeita. Arrepiante e soberba Rosamund Pike! Que assombro de interpretação, vertiginosa! Como é possível seduzir-nos e assustar-nos com apenas o seu olhar, direi até com o mesmo olhar, de dócil arrebatamento a determinação gélida? Ainda me sinto apaixonada, oops, digo, atordoada! Personagem dentro de personagem, máscara dentro de máscara, desde o beijo sob a nuvem de açúcar ao beijo sob a chuva de sangue, tudo é hipnotizante perfeição! 




Por sua vez, o ar “bronco” (perdoem-me os fãs e ele também, mas só tenho gostado de o ver como realizador) de Ben Affleck é de facto uma mais-valia na sua composição de Nick Dunne!

“Gone Girl” afirma-se como um magnífico e sufocante thriller. O trabalho de Fincher é irrepreensível e belo, tanto narrativa como visualmente, e aliado, mais uma vez, à magnética banda sonora de Trent Reznor e Atticus Ross, oferece-nos um filme verdadeiramente excepcional, que a visceralidade de Rosamund Pink eleva à condição de transcendência!


"I don´t have anything else to add. 
I just wanted to make sure I had the last word. 
I think I've earned that."