Lewis Carrol inspirou-se em Alice Lidell e nas histórias contadas nos passeios de domingo; Tim Burton reinventa agora o clássico, oferecendo-nos antes a “Underland”!
E que deleite visual é “Underland”! Tão animadamente colorida e vibrante como inesperadamente desolada e inóspita, a Underland burtoniana é um jogo maravilhoso mas também assustador de contrastes, mantendo como sempre o tom ou espírito gótico, negro e bizarro tão característico do realizador!
Espírito esse que recria a história: já não estamos perante a criança Alice, inquisitiva e alegre, mas sim com a Alice adolescente que, vendo-se obrigada a um futuro no qual não terá nenhum poder de decisão, foge, na direcção do misterioso e inacreditável coelho branco de casaco e relógio de bolso que avistou continuamente pelos jardins! E quando espreita pela toca do coelho…bem…digamos que encontra mais do que aquilo que procurava!
Se esta introdução é já agradavelmente cómica, o mundo que Alice (re)descobre, e que nós descobrimos com ela, é tão deslumbrante como aterrorizador, tão cómico como sério, quase impossível de descrever, pois se pertence ao universo do imaginário e do sonho! Recheado do inimaginável, povoado por incríveis e excêntricas criaturas, é um lugar de que Alice já não se recorda, mas no qual está escrito que desempenhará um importante e libertador papel! E assim, Alice vê-se novamente face a um dilema, mais uma vez atormentada por um seu destino sobre o qual ela parece não ter nenhum controlo…O que fazer? Será ao longo da viagem por Underland que Alice encontrará a resposta, à medida que conhece os seus deliciosamente perturbados e desajustados habitantes: o esquizofrénico Chapeleiro Louco, o profético Absolem/Lagarta Azul, a hiperactiva Lebre de Março, o evaporante Gato Cheshire, o engraçado Coelho Branco, a teatral Rainha Branca, todos juntos na luta contra a malvada Rainha Vermelha!
Se o argumento é excelente, as interpretações não ficam nada atrás! Começo pelo carismático Johnny Depp, com mais uma brilhante e invulgar composição!
Helena Boham Carter tem uma das melhores interpretações que já lhe vi, na pele da pérfida e tresloucada Red Queen!
Mia é a Alice perfeita, com a combinação certa de inocência e força!
O elenco de vozes é igualmente fenomenal! Destaco Alan Rickman, com a sua voz grave, sábia e profética a emprestar solenidade ao papel de Absolem! Stephen Fry, Michael Sheen, Barbara Windsor, Matt Lucas, Paul Whitehouse e Timothy Spall são também magníficos!
Um último, mas não menos importante, elogio à banda sonora, a cargo de Danny Elfman. Frenética, invulgar e divertida, mas principalmente dramática e tensa, a abrilhantar ainda mais “Wonderland”!
Tim Burton é um verdadeiro contador de histórias e os seus ( anti-)heróis são sempre os inadaptados, os diferentes, os freaks, ao mesmo tempo que nos oferece sempre um lado mais pessoal, uma alma à história! Foi assim, entre tantos outros, em “Edward Scissorhands”, em “Big Fish”, em “Charlie and the Chocolat Factory”, em “Corpse Bride” e em “Sweeney Todd”, maravilhosos e fantásticos contos do bizarro! O mesmo acontece em “Alice in Wonderland”: ainda que sob a chancela da Disney, Burton presenteia-nos com a sua visão, simultaneamente gótica e irreverente, do maravilhoso mundo de Alice e o resultado é um filme encantador, tão hilariante como sério, visualmente arrebatador e extravagante (e com 3D q.b., a iluminar a história e não a sobrepor-se!)
Se o conto de Carrol é uma maravilhosa fábula sobre e para as crianças, desafiando-as e arrancando questões e gargalhadas, o filme de Burton trata dos dilemas e problemas da passagem à idade adulta, sob o prisma de Alice, a menina forte e sonhadora que não se adapta aos costumes da sociedade vitoriana, hipócrita e moralista!
A uma dada altura, Alice diz: “Eu penso em 6 coisas impossíveis antes do pequeno-almoço!” E não é esta uma espantosa e inspiradora maneira de ver a vida? Afinal, algo só é impossível se acreditarmos que assim o é!