A chuva lança-se em bátegas pesadas e ameaçadoras. Ainda assim, não consegue lavar a inquietação e o tumulto interior de dois homens, testemunhas num julgamento sobre um peculiar e violento crime. Abrigados sob o portão da cidade, partilham com um terceiro a confusão e indeterminação de um relato moldável e intrigante, cuja veracidade oscila por entre a vaidade e a honra dos seus intervenientes.
Rashomon, acutilante conto moral sob o curioso disfarce de “o que aconteceu, quem fez o quê?”. Uma virtuosa história de manipulação, uma imperdoável análise ao âmago do Homem: qual é a natureza e extensão do seu sentido de honra e capacidade de responsabilização? E oferece-nos resposta? A chuva continua a tombar. Em Rashomon não se descobre a verdade, antes se ouve e assiste a várias verdades, a várias versões do mesmo acontecimento. A verdade pode não ser bonita, mas pode certamente ser embelezada. Para esconder a vergonha, a traição, a maldade. Para esconder as imperfeições que ameaçam a própria identidade.
Dono de uma soberba realização e de impressionantes interpretações, Rashomon é sem dúvida filosoficamente denso e inquestionavelmente belo.