25 abril 2015

Poemarma






E hoje que se celebram os 41 anos do 25 de Abril e 40 anos das primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, partilho um poema de Manuel Alegre, um clamar à luta e à intervenção, à liberdade e ao sonho: "Poemarma", publicado em "Praça da Canção", de 1967.


Um pequeno (mas quase profético!) excerto:


"Que o poema seja microfone e fale
uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal."




Aqui na voz de Mário Viegas, no disco Operário em Construção.






22 abril 2015

Momentos (XXVII)








E do último filme verdadeiramente "burtoniano" de Burton, recordo uma das minhas cenas preferidas: 


o segmento "A Little Priest"!



O vídeo e texto que se seguem contêm spoilers!







O momento em que o desejo de vingança expresso por Sweeney Todd é complementado e "elevado" a um serviço maior pelo sentido prático, maquiavelismo e devoção de Mrs, Lovett! Uma crítica social e moral, de costumes, que encerra tanto de mordaz como de delirante, na indefinição inevitável e consciente dos papéis de juíz, de agressor, de carrasco!


19 abril 2015

Focus








Um arraçado de filme de vigaristas com comédia romântica que oscila indecisivamente entre surpreendentes virtudes e (perdoáveis) defeitos. Ora vejamos.

O segmento de vigarista, não sendo assombroso, foi construído de forma eficaz, com apelativos truques e um ritmo rápido e contagiante, servindo o seu propósito de iludir e depois espantar o espectador. Por sua vez, o par protagonista demonstra química q.b.: Will Smith consegue ser cativante e divertido enquanto Margot Robbie exala naturalmente toda a franqueza e sensualidade que a sua personagem exige. Ou seja, até aqui temos um filme descomprometido e cool, capaz de agarrar o espectador.



Contudo, a transição para o romance não me convenceu por completo, principalmente a partir da parte em Buenos Aires. A história soou a algo forçado, esticando os limites do credível e das coincidências, o que até prejudicou, na minha opinião, a construção do golpe. 

Concluindo, “Focus” é entusiasmante, principalmente enquanto “con-movie”, mas acaba por ceder a alguns clichés românticos que lhe retiram fulgor.


16 abril 2015

Momentos (XXVI)








Mulberry Street... and Worth... Cross and Orange... and Little Water. Each of the Five Points is a finger. 

When I close my hand it becomes a fist. And, if I wish, I can turn it against you.


(Bill "The Butcher" - Gangs of New York)




12 abril 2015

O som das Highlands (Outlander - genérico)



Há genéricos que nos deixam logo curiosos e enfeitiçados. Este foi sem dúvida um deles, para mim. 

"Outlander", adaptado dos livros de Diana Gabaldon, conta a história de Claire Randall, que, de lua de mel na Escócia em 1945, se vê transportada para o século XVIII, tempos conturbados de tensão entre a Escócia e a Inglaterra. Ainda estou nos primeiros episódios mas do que vi até agora gostei bastante: a estrutura narrativa é cativante e as personagens estão a ser bem desenvolvidas e posso dizer que me aguçou a curiosidade para ler os livros.


Voltando ao genérico, envolve-nos de imediato uma sensação de misticismo, de beleza e de paixão e sentimo-nos igualmente transportados para esta época e lugar, através das imagens entre os séculos XX e XVIII intercaladas com o som tão belo e distinto das gaitas-de-fole.

A música utilizada é uma adaptação de "The Skye Boat Song", uma canção folk escocesa muito famosa e histórica, relacionada com a revolta jacobita que lutava pela independência da Escócia. Neste caso, a série utilizou o poema "Sing Me A Song Of A Lad That Is Gone", de Robert Louis Stevenson, como letra para a música. Assim, temos um eficaz e soberbo paralelo entre a parte histórica a que a série se refere e o estado de espírito da personagem principal.






Sing me a song of a lad that is gone,
Say, could that lad be I?
Merry of soul he sailed on a day 
Over the sea to Skye.

Mull was astern, Rum on the port,
Eigg on the starboard bow;
Glory of youth glowed in his soul; 
Where is that glory now?

Sing me a song of a lad that is gone,
Say, could that lad be I?
Merry of soul he sailed on a day
Over the sea to Skye.

Give me again all that was there,
Give me the sun that shone!
Give me the eyes, give me the soul,
Give me the lad that's gone!

Sing me a song of a lad that is gone,
Say, could that lad be I?
Merry of soul he sailed on a day
Over the sea to Skye.

Billow and breeze, islands and seas,
Mountains of rain and sun,
All that was good, all that was fair,
All that was me is gone. 


(Sing Me A Song Of A Lad That Is Gone, de Robert Louis Stevenson)


03 abril 2015

Manoel de Oliveira







Numa tarde encoberta a passear pelas margens do Douro, vejo ao longe um grande grupo de pessoas, câmaras de filmar, uma tenda branca e uns mergulhadores. Aproximo-me, olhando em volta, tento descobrir de que se trata. Até que vejo um livro, grande e antigo, a boiar nas águas revoltas. Capa pesada, ornada e bela. A equipa tenta resgatá-lo. As filmagens já terão certamente terminado naquele dia.


Ontem voltei a ver esse livro. Flutuava imponente no ecrã da minha televisão. Pertencia à curta-metragem “O Velho do Restelo”, de Manoel de Oliveira, misto de estilização e maquinação teatral e filosófica, e belo ainda assim. Não vi Manoel de Oliveira nesse dia (nem sabia que era um filme dele), quiçá estivesse abrigado na tenda ou já ocupado noutro lado, sempre enérgico e a trabalhar. Pois era efectivamente essa uma das imagens que tinha (tínhamos) dele, a vontade e determinação em nunca parar, em nunca ceder ao tempo, em continuar a fazer o que o apaixonava. Mesmo nem sempre compreendendo totalmente ou por vezes nem apreciando o (ainda pouco) que conhecia da sua obra, essa tenacidade e paixão eram exactamente o motivo principal porque o admirava. 


Fico a pensar no livro, sábio e resiliente sob a força das águas, à imagem do seu realizador. O realizador que afirmava “continuo a ser um aprendiz do cinema” e que “o cinema é um fantasma da realidade”. O realizador que queria filmar até morrer. Conseguiu-o. Manoel de Oliveira. Uma vida em pleno e um legado que será eterno.