26 junho 2011

A History of Violence





A sua simplicidade possui algo de perturbador. A cena inicial, de sólidos minutos, é perfeita na sua demonstração. Impávida, cruel, desumana. Estamos, afinal, perante uma “História de Violência”.

O filme segue na sua turbulenta tranquilidade, na agonia de uma metamorfose em suspenso que subitamente se concretiza. Terá Tom (Viggo Mortensen) perdido parte da sua essência ou simplesmente recuperado algo há muito suprimido? A resposta é rápida e dolorosa. E esse simples olhar de Tom nunca será certamente esquecido pelo espectador. Nem pela sua família, repentinamente face a um estranho a quem chamava pai ou marido. Por quem agora só sentirão ódio e repulsa, no confronto com um cobarde ou na sombra de um vão de escadas.

Viggo Mortensen oferece-nos uma magistral interpretação, perfeito e tortuoso camaleão entre vulnerabilidade e violência, entre repugnância e redenção. A seu lado, Maria Bello é surpreendente no seu desconforto e na sua raiva. William Hurt e Ed Harris surgem como temerosos secundários. David Cronenberg, por sua vez, assina um fascinante e sufocante ensaio sobre a natureza humana.




20 junho 2011

Sucker Punch






Mr. Snyder, em jeito de nota futura...


- Não basta mostrares um harém de belas mulheres em modo kick-ass...

- Não basta inventares uma cadeia de mundo surreais, entre o explosivo video-jogo e a classe dos antigos clubs....

- Não basta apenas imaginação, é necessário concretização...

E sim, estou a referir-me a um argumento consistente que desse maturidade ao excesso visual que Sucker Punch é!


Deixo um elogio para a banda - sonora, o único elemento de verdadeira qualidade...



Desculpe Mr. Snyder, mas depois de ter feito Watchmen não se safa com mediocridades destas!



(E sim, isto não é bem um crítica, é mais um inflamado desabafo, mas sincero!)

18 junho 2011

Eterno Saramago



D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou. Já se murmura na corte, dentro e fora do palácio, que a rainha, provavelmente, tem a madre seca, insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras e que só entre íntimos se confia, que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e
segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente e ainda agora a procissão vai na praça. Além disso, quem se extenua a implorar ao céu um filho não é o rei, mas a rainha, e também por duas razões. A primeira razão é que um rei, e ainda mais se de Portugal for, não pede o que unicamente está em seu poder dar, a segunda razão porque sendo a mulher, naturalmente, vaso de receber, há-de ser naturalmente suplicante, tanto em novenas organizadas como em orações ocasionais. Mas nem a persistênciado rei, que, salvo dificultação canónica ou impedimento fisiológico, duas vezes por semana cumpre vigorosamente o seu dever real e conjugal, nem a paciência e humildade da rainha que, a mais das preces, se sacrifica a uma imobilidade total. Depois de retirar-se de si e da cama o esposo, para que se não perturbem em seu gerativo acomodamento os líquidos comuns, escassos os seus por falta de estímulo e tempo, e cristianíssima retenção moral, pródigos os do soberano, como se espera de um homem que ainda não fez vinte e dois anos, nem isto nem aquilo fizeram inchar até hoje a barriga de D. Maria Ana. Mas Deus é grande.

in "Memorial do Convento"




Não sei se algum dia conseguirei expressar totalmente o que
a escrita de Saramago significou para mim. Há um ano tentei...



Hoje à noite, a SIC passa a primeira parte do documentário "José e Pilar"!

13 junho 2011

Universal Pessoa



O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:

«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»

E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»


Fernando Pessoa in Mensagem



Tinha muitos poemas a escolher...este é bravura e perseverança...e também me faz regressar à infância, de quando o recriei na escola!


Fernando Pessoa faria hoje 123 anos.

A sua obra permanecerá imortal!


12 junho 2011

Ma Mère



« Tu sais Pierre, je crois pas de tout à la perversité.
Je crois pas parce que ça n’existe pas.
Et ta mère le sait mieux que moi. »





Repulsivo. Desconfortável. Insinuante. Por um ínfimo segundo, o olhar afasta-se. Não mais. Tornamo-nos contrariados voyeurs de uma viagem sem limites até ao abismo do hedonismo, da sexualidade, da imoralidade. Lado a lado, eles afundam-se na crueldade do desejo. Isabelle Hupert, atroz e fria deusa. Louis Garrel, vulnerável e revolto menino. Despedem-se ao som de Happy Together, perturbador e quase ofensivo antagonismo.




Me and you and you and me
No matter how they toss the dice
It had to be
The only one for me is you
And you for me
So happy together


11 junho 2011

Cinematograficamente Musicando (3)




O vídeo (póstumo) reúne vários artistas da música, moda e cinema, entre as quais Johnny Depp, Sharon Stone, Owen Wilson e Dennis Hopper.



Utilizada no trailer de True Grit, confere-lhe uma atmosfera negra de vingança e castigo que tão bem se adequa ao magnífico filme dos Coen!


05 junho 2011

Blue Valentine






Porque magoamos aqueles que amamos? Como chegamos ao ponto de ruptura?

Blue Valentine não nos revela as causas, não nos mostra o percurso, antes nos atira de forma visceral para a turbulência e dor de uma relação moribunda. Violentamente, do nada, penetramos na conturbada e amarga intimidade daquele casal, como simultaneamente assistimos à felicidade e amor que outrora partilhavam. Sem embelezamentos, de modo cru, rude e doloroso. E angustiados, devastados, revoltamo-nos com a aparente futilidade das suas discussões, com a perturbadora banalidade do sexo, sufocados pelos desesperantes tons de azul e cinzento daquele quarto de hotel agonizante.




Ryan Gosling e Michelle Williams são tortuosamente magníficos num pas-de-deux de paixão, confronto e ruína. Ela, ultimamente nervosa, insegura e perturbada, em contraste com a doçura e esperança que demonstrava. Ele, num patamar superior, brilha com a sua paixão, entrega e posterior angústia. Espelhos de uma inocência perdida face às contrariedades da vida e do amor.

A música que os acompanha nunca nos deixa esquecer, numa nota de tristeza e desespero que continuamente nos atormenta. Assim como a virtuosa câmara de Derek Cianfrance que, de longe, observa o esperançoso passado enquanto nos aproxima, de forma quase abusiva, do desmoronar da relação.




Angustiantemente belo, dolorosamente real, Blue Valentine afirma-se como uma honesta e grandiosa obra, que nem após os excelentes créditos finais nos deixa descansar, presos irreversivelmente ao seu desespero e desencanto.


Angustiante




Não resisti...






Retirado daqui

04 junho 2011

Marie Antoinette





“This is ridiculous!”

“This, Madame, is Versailles!”



...ou como Sofia Coppola se perdeu nos delírios do barroco…


Faustosamente decorado. Opulento e contagiante nas suas cores, objectos, sons e formas. Vertiginosamente montado. Uma delirante sucessão de belos vestidos, sapatos exagerados, incomportáveis penteados. Um festim de champanhe, macarrons e outros oníricos doces. É este o luxuoso mundo da Dauphine. E no centro, ela brilha: Marie Antoinette! E contudo, é à margem que cada vez mais se sente. Num terrível limbo. No vazio. Por isso, sofre ao som dos The Cure, intoxica-se pela batida de “I Want Candy”, desespera com a melodia dos The Strokes!
É esta a Marie Antoinette de Sofia Coppola: uma adolescente convertida em rainha, presa aos seus dramas e questões interiores, num mundo em urgente revolução.




Kirsten Dunst interpreta graciosamente Marie Antoinette. De inocente e leviana, a provocadora e inconsciente, pontuado por momentos de dolorosa racionalidade!
A seu lado (ou nem tanto), Jason Schwartzman apresenta-se como o tímido, desajeitado e socialmente inadequado rei Louis XVI. Peculiar relação…no fundo nem sei se suportável pelas oníricas e tranquilizantes belezas do Petit Trianon, paraíso rural cercado pela sumptuosidade de Versailles.

E penso ser aí que “Marie Antoinette” perde o seu fulgor…acaba por ser esmagado pelo exagero visual e consequente tom superficial. Ultimamente oco, um pouco como o barroco que o inspira! Confesso ter tido alguma dificuldade em sentir empatia para com as personagens, salvo alguns momentos, precisamente por alguma falta de profundidade na sua construção. E se não fosse pelo virtuoso trabalho de Kirsten Dunst ou pela intimista e turbulenta composição musical, acredito que assistiria ao contínuo desfile visual simplesmente apática! E ninguém quer isso!

“Marie Antoinette”, de sensacional a supérfluo, porém entusiasmante, inscreve-se, dessa forma, como um extático momento cinematográfico!