29 janeiro 2014

12 Years A Slave







Há uma quietude desconcertante nas etéreas paisagens sulistas que tão sublimemente nos são oferecidas. O cândido pôr-do-sol, o voo de espontâneas aves ou os ramos que tocam na limpidez do rio não escondem contudo o horror que os circunda. Os paralisantes lamentos de uma mãe, a desesperada ânsia por um toque de afecto, o ressoar sangrento do chicote, a prepotência abjecta movida pela ira e ódio. Não. Antes convivem como centenários vizinhos, em disfuncional e imposta harmonia. Irrompemos, sem licença ou delicadeza, pela profunda América esclavagista. 

Na sua terceira longa-metragem, Steve McQueen, fiel a si mesmo, compõe um devastador e cru retrato da escravatura nos Estados Unidos, que fatalmente nos persegue e atormenta. Que dizer da já referida sobreposição entre a Natureza e violência? “That's Scripter!”, em perversa ironia. Ou da cena do funeral, catarse que ousamos comungar com Solomon? Daí não concordar que haja convencionalismo a assombrar esta obra. Há, sim, na minha opinião, uma substancial diferença para com os seus anteriores filmes: esta não é apenas uma luta de um homem só. “Hunger” e “Shame” estavam centrados nos seus protagonistas, que mesmo díspares, partilhavam no entanto uma miserável e desesperada solidão. Ora “12 Years A Slave”, embora seja obviamente a história de Solomon Northup, não pode assentar somente nesta personagem. Não ignorando a sua individualidade, é para mim inegável que a sua mágoa, a sua impotência e dor são também as de Eliza, as de Patsey, as de Abraham…as de incontáveis e anónimas vozes. Assim, mesmo não sendo o meu favorito é, sem qualquer sombra de dúvida, uma obra de admirável coragem, de arrasadora frontalidade e de extraordinária beleza. 






McQueen, notável maestro, dirige um trio de igualmente excepcionais interpretações. Chiwetel Ejiofor, com garra e comoção, demonstra de forma sólida todo o sofrimento e luta da sua personagem. Lupita Nyong’o, que intensa revelação! A sua terna Patsey, encurralada em impossível e trágica condição, é simplesmente avassaladora. E Michael Fassbender…bem, Fassbender constrói, num degradante crescendo, uma criatura que ultrapassa o vil, o cruel, o déspota, numa composição absolutamente arrepiante! 






Saí devastada. Que melhor elogio lhes posso oferecer?


2 comentários:

  1. Compreendo também a tua perspectiva face a este filme e este realizador, apesar da deriva, digamos comercial, em comparação com os anteriores filmes, continua a ser sem dúvida um dos realizadores mais promissores e talentosos da actualidade.
    Um aparte :) Quando veres o Her volta de novo ao meu texto e ainda vais perceber melhor a forma que utilizei para "criticar" o filme :) Não quis esperar até estar no cinema pelo que tive a oportunidade de o ver na "rede" e não resisti a vê-lo. Pelo que te leio acho que também não vais ficar indiferente. Vou ficar à espera para saber o que te causou :)

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    1. Hum ainda me deixaste mais curiosa :-) vou tratar de o ver e logo passarei novamente pelo teu blog!

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