28 dezembro 2013

Thor





Convém talvez dizer que eu nunca li os comics, nem de Thor nem do restante universo Marvel, e só conheço de forma ligeira alguma história das suas personagens. Ou seja, a minha crítica centra-se apenas no filme em si, não tendo bem em conta a adaptação. 

E assim posso afirmar que fui agradavelmente surpreendida. Não estava à espera que o filme tivesse uma abordagem tão shakesperiana e penso que Kenneth Branagh foi bem-sucedido nessa transposição. Nota-se que houve cuidado em desenvolver a personagem de Thor e o seu percurso. Claro que ajuda ter um Anthony Hopkins como Odin, com toda a sua presença e aquela voz magnética. E Chris Hemsworth cria um “sólido” Thor, numa clássica viagem, mas sempre emocionante, de queda e redescoberta. Aliás, a química entre as personagens é outro grande trunfo desta adaptação; saliento ainda a perseverante Natalie Portman e o incrível Tom Hiddleston como Loki (que conheci primeiro nos Avengers, é o que dá não os ver por ordem), o vilão carismático e travesso. A caracterização de Asgard está igualmente excelente, mostrando um universo poderoso mas não demasiado fantasioso. 




Desta forma, entramos neste universo a um ritmo cativante e enérgico, com bons momentos de acção e humor, que não descurando a história/mitologia, nos oferece um entretenimento sólido e contagiante!


06 dezembro 2013

The Counselor








Existem palavras a mais, conversas demasiado longas, divagações (quase) filosóficas. Na sua maioria, dignas de nota até. O problema é que um filme não sobrevive só disso. Principalmente se o argumento for pouco claro, sem destino. Principalmente se não formos capazes de nos preocupar com as suas personagens. Por vezes, elas parecem apenas desfilar, magnificamente vestidas e em excelentes carros. E contudo, há intenção de construir mistério, tensão, dúvida, desconforto. Repare-se em alguns diálogos entre Fassbender/Pitt e Fassbender/Bardem ou a cena final do (apesar de tudo, consistente) Fassbender. O filme parece procurar densidade, magnitude. Mas esbarra em algum non-sense e, acima de tudo, na ilusão de que tudo o que funcionaria num livro, funciona igualmente no grande ecrã. Cormac McCarthy, responsável pelo argumento, oferece-nos belos momentos de tensão e violência…mas as partes não fazem o todo, Riddley Scott não lhe dá a volta…e o filme quebra-se nessa inconsistência.






“There is no rule of exchange here, you see. Grief transcends every value. A man would give whole nations to lift it from his heart. And yet with it you can buy nothing.” 


24 novembro 2013

Gravity








É a imensidão do vasto. A beleza do infinito. Livre e quimérico, desenhado em pungente azeviche. A possibilidade do imensurável. É o terrível do imenso sem limite. Do breu camuflado de luz. De um grito abafado pelo vácuo. De um vasto que, num embate, se torna subitamente claustrofóbico. É um olhar em súplica, um corpo em posição fetal, solidão e silêncio, desespero. Luta e conquista. Reencontrar-se quando se julga não ser nada mais que um ínfimo ponto à deriva. Tocar. Sentir. Recuperar-se. Abraçar por fim a gravidade. 





31 outubro 2013

Novamente Em Cena



Da Gaiola, nem sempre Dourada, permaneceu a jovialidade e o humor de uma sincera homenagem. Aos pais, à família, a esse passado. Foi assim que o vi, esquecendo por vezes aqueles momentos mais lamechas ou convenientes, pensando em como, de uma forma tão simples e irónica, se conseguiu brincar e superar os nossos tão nossos clichés.





Quatro décadas, oito presidentes. Nos bastidores, um homem. Silencioso, servil, invisível. O Mordomo. Da personagem, percebe-se a caracterização. Pena é que tal se estenda ao modo de construção do filme que de grandioso só tem mesma a intenção.






Idade Média. Peste Negra. O Bem e o Mal. Claro que o Sean Bean tem que estar envolvido…E claro que o Sean Bean tem que…wanna guess? Se pensavam que já não existiam mais formas diferentes de lhe pôr fim, bem, pensem novamente! Ou então não, que Black Death não vale o esforço! Como parceiro de aventura, tem o Eddie Redmayne, que de cantor menos “miserável” passa a monge com problemas amorosos e problemas de expressão! E depois aparece a Melisandre…ai não, é só a mesma actriz, agora loira e sem um pingo de emoção, apesar do mesmo vestido vermelho! “Black Death”? É mais “brain dead” e nem assim, de “cérebro desligado”, o aconselhava!







14 julho 2013

Stoker





Stoker, poesia em movimento. Um jogo de cores e olhares e planos. Oh como é bom ser tão incessantemente seduzida! Um jogo de mistérios e segredos e manipulações. Oh como é bom ser tão delicadamente ludibriada! 






Em Stoker, nada é o que parece. E se o argumento é de raiz uma trama de olhares cruzados, meias palavras e dissimulações, a câmara de Chan-wook Park é, inquestionavelmente, o gran maestro desta perversa e magnética ilusão. A sombra do desconhecido, a inocência de um vestido esvoaçando no vento. A sinfonia de sapatos em crescendo. Família e sangue. O dedilhar do piano em intenso sufoco, em sublime erotismo. Família e sangue. Sangue e enigmas. Mia, perturbado olhar casto. Matthew, carismático predador. Ou como o mal, sempre arrepiante, pode constituir também uma surreal beleza.



"Just as a flower does not choose its color, we are not responsible 
for what we have come to be. 
Only once you realize this do you become free, 
and to become adult is to become free."


07 julho 2013

World War Z







Antes de mais, não vejam o trailer! A sério, não vejam! Haverá coisa mais anti-climática que revelar todas as cenas de renome, ainda por cima de forma sequencial? Segundo, não estejam à espera do gore de “The Walking Dead” ou da reflexão proposta em “28 Days Later”. Aqui, a violência é “limpinha” e inócua e qualquer réstia do dilema da sobrevivência face a um apocalipse é rapidamente ofuscada por surreais cenas de acção. Por último, fechem os olhos a inconsistências várias (afinal, como alguém me disse, este é um filme sobre zombies). 

Depois disto, o que resta? “World War Z”, apesar dos seus defeitos, ainda é capaz de entreter a sua audiência. Tem momentos visualmente estonteantes (entre tantas, e mesmo que privada de algum sentido, a cena de Jerusalém é assombrosa), um herói cativante que nos faz acreditar na sua luta e uma tensão palpável e desconfortável, exemplar no caso do complexo de vacinação. Pena é o rumo final que decidiram dar à história, uma solução desastrada e ilógica para um happy ending fácil e com vista a sequela.


30 junho 2013

The Great Gatsby






Luzes. Álcool. Música. Vestidos curtos e brilhantes. Foxtrot e charleston. Os loucos anos 20 irrompem pelo ecrã à velocidade vertiginosa com que foram vividos, moldados pela batida anacrónica e ecléctica desses géneros que actualmente nos animam. É com fascínio que lhes damos as boas vindas. De que outra forma poderia ser se os vemos afinal pelos olhos de Nick Carraway, ingénuo novato neste admirável mundo novo? 





Admirável mundo novo este que Baz Luhrmann nos apresenta com o seu estilo inconfundível. Mas se em "Moulin Rouge" esse modus operandis se confundia com a história, emprestando-lhe um travo burlesco e barroco, aqui, o excesso é definitivamente excessivo. Porque "The Great Gatsby" é tanto uma tragédia amorosa como a tragédia de uma sociedade, a elevação do amor face à decadência de valores, o despedaçar de um sonho. E por isso pede por silêncio, pede para não ser interrompido quando o momento exige contemplação ou meditação. Pede que não sejamos meros observadores a espreitar do alto, exige-nos uma opinião ou julgamento. 
Daí que também a voz-off de Nick seja (pelo menos para mim) deveras incomodativa, principalmente em alguns momentos finais. Não gosto que me digam o que sentir. Além disso, Tobey Maguire foi um erro crasso de casting: a sua personagem é introspectiva e não inexpressiva! 

É sempre difícil adaptar um livro ao grande ecrã. Comparações são inevitáveis e nem sempre justas. Mas se "The Great Gatsby" se perde por vezes na imensidão do seu fulgor, possui igualmente um trunfo inegável: a interpretação de Leonardo DiCaprio. O seu Gatsby é carisma e desespero, solidão e fé, amor e desgraça. Extraordinário desempenho, como se ressuscitado pelo próprio Fitzgerald! 
Pena é que a sua musa não lhe faça jus: sinceramente, achei a química entre DiCaprio e Carey Mulligan quase inexistente e esta pouco mais foi que uma “bela tonta”, o que se aproxima mas contudo é insuficiente para definir Daisy. 





O Great Gatsby de Baz Luhrmann não é isento de pecados. Nem sempre consegue transmitir com elegância e pujança a essência da obra original. Contudo, também não a desonra. Oferece-nos momentos de excelência, não só visual como narrativa, e, repito, DiCaprio é absolutamente portentoso.





09 junho 2013

(As) Simetrias [13]




Drive (2011)



The Great Gatsby (2013)


“She was feeling the pressure of the world outside and she wanted to see him and feel his presence beside her and be reassured that she was doing the right thing after all.” 

 ― F. Scott Fitzgerald, The Great Gatsby


25 maio 2013

Side Effects






Numa constante encruzilhada, a ambiguidade ensombra-nos a visão, tolda-nos os passos. Ela nunca sorri, devolve-nos apenas um olhar vazio, ausente. Tentamos imaginar o abismo em que ela se encontra, impotente, achamos que um sentido olhar de preocupação é suficiente para a impedir de cair. “Depression is the inability to construct a future.” Mas agora, esse futuro está à pequena distância de um comprimido por dia. Acenamos, o psiquiatra bem-parecido só pode inspirar confiança, tal como os anúncios sorridentes que pululam de gare em gare. E depois, um crime é cometido. Em choque, procura-se uma explicação. A dúvida surge, subtil e traiçoeira. A questão não é quem foi, antes de quem é a culpa. Uma tríade de suspeição. Eventos precipitam-se, vidas são interrompidas. A incerteza cresce e cresce, num galope de tensão. A moralidade esbate-se perigosamente, num limite cada vez mais vago entre dever e verdade. E de súbito, desilusão.







Frustante. É dessa forma que Soderbergh nos trata. Presenteia-nos com uma premissa inteligente, desafiante e actual. Tem uma Rooney Mara camaleónica e carismática, num misto apaixonante de vulnerabilidade, manipulação e pura maldade. Por que diabos achou que uma vendetta era a forma ideal de fechar o jogo? Sinceramente, para um filme que explora de modo frontal e provocador temas tão sensíveis, este final soube-me a pouco. Ligeiramente preguiçoso. A duplicidade das suas personagens era o seu maior trunfo. Com esta resolução, parece que nos querem convencer da “bondade” e razão suprema de um dos lados.  Que efeito adverso este!


16 maio 2013

The Perks Of Being A Wallflower






Tem a ternura da nostalgia sobre um passado que nunca foi meu, mas que podia ter-me pertencido. A irreverência de não ser mais um contorno na multidão, antes majestoso e único como um floco de neve (os desajustados são mesmo assim). Destemido na forma como desbrava as complexidades e dilemas da longa estrada entre a adolescência e a idade adulta, encosta-nos à parede. Porque de uma forma ou de outra, todos nós já estivemos ali. Uma vez houve que nos apaixonámos, que nos quebraram o coração, que nos sentimos sozinhos e estranhos, que fomos amados, que olhámos para o futuro receosos do que nos tornaríamos ou com medo de não alcançarmos o que um dia sonhámos ser. Que carregámos demónios, nossos e de outros, numa luta interior cujo resultado pesava por ser incerto. E, por isso, “The Perks Of Being A Wallflower” desvirtua eximiamente o seu injusto rótulo de filme “teen”. Possui tanto de seriedade como de atrevimento na sua abordagem. É caótico sem deixar de ser sóbrio, é profundo sem esquecer que, num repente, é igualmente saudável romper numa dança desenfreada quando ouvimos uma música realmente excelente. Ezra Kane, depois do perturbador “We Need To Talk About Kevin”, é novamente assombroso, construindo a personagem mais carismática desta história. Emma Watson consegue ultrapassar a barreira do ser simplesmente adorável e Logan Lerman conjuga admiravelmente timidez e coragem. 

Right now we are alive and in this moment I swear we are infinite”, ouve-se em pano de fundo, em jeito de cântico, e posso jurar que me despedi deles com um sorriso de velhos amigos e uma lágrima de familiaridade.






04 maio 2013

Ágora






Na ágora foi senhora e mestre; na ágora tombou às mãos dos carrascos da intolerância e do horror. 






Ágora, reconstituição histórica dos últimos anos de vida da filósofa e matemática Hypatia, não alcança a grandeza da sua musa. Rachel Weisz é cativante mas não memorável; à narrativa, embora apelativa, falta-lhe algum arrojo no desenvolvimento das suas personagens e situações. Ainda assim, é eficaz ao mostrar tanto o absurdo como o terrível do fanatismo religioso, esse que destruiu tanto dos antigos palcos do conhecimento. Simultaneamente, é belo o modo como desenha a evolução do pensamento científico, persistência e raciocínio em comunhão com a simplicidade e simbolismo das formas da Natureza. 





You don't question what you believe, or cannot. I must.


27 abril 2013

The Silence Of The Lambs




É aquele esgar, como uma espécie de sorriso. O olhar, como se omnipresente, que não larga o seu interlocutor. É a voz, pausada e de clara rouquidão, que adivinha os mais obscuros medos e traumas do seu alvo. Assim, em três aparentemente simples passos, se constrói uma das personagens mais temíveis quanto carismáticas da história do Cinema.




Depois, o contraste entre a vulnerabilidade e a determinação, entre a manipulação e a inocência, no corpo da jovem agente que exorciza os seus demónios, passado e presente, na perseguição de um sádico assassino, num perigoso e perverso jogo de quid pro quo.

Intercalando as peças do jogo, uma sóbria e tensa banda-sonora e um ambiente sombrio e demente que copiosamente nos acompanham. Sem piedade, o brilho da cor branca tortura-nos; o vermelho sangue exala horror e consumação.


Well, Clarice - have the lambs stopped screaming?


14 abril 2013

(As) Simetrias [12]



Uma música, três cenas. Composta por Bernard Herrmann para o homónimo "Twisted Nerve" (1968).




No contexto original, em "Twisted Nerve".




Adoptada por Tarantino, no tenso splitscreen de "Kill Bill".




Como apresentação ao personagem Tate Langdom, na 1ª temporada de American Horror Story.

[atenção, spoilers]



Em todas, absolutamente arrepiante!


07 abril 2013

Fantas Expresso: Quatro Temas, Quatro Filmes



The Aryan Couple: coragem e determinação 




Uma história simples, muitos dirão, nem por isso de menos valor, acrescento eu. Um testemunho do horror nazi lado a lado com a coragem da Resistência, numa narrativa sensível e por vezes mordaz. Contudo a sua linearidade acaba por ser talvez o seu maior pecado, arrastando-se infelizmente para um ritmo previsível e desinspirado. 


Midnight Son: sangue e desejo 




“You’re in the verge of becoming something” 

Vício e consumação, numa produção manifestamente low budget que ainda assim é bastante eficaz e original na abordagem ao universo vampiresco. O sangue a rodos traz-nos o gore que lhe é inevitável (e felizmente) associado; a sua perspectiva mais científica e humana acaba por ser uma lufada de ar fresco. 


Robot and Frank: amizade e dilemas 




Enternecedor é a palavra que talvez melhor o descreva. A adaptação à velhice, a adaptação à mudança, num conto moderno tão emotivo quanto recheado de humor. Frank Langella numa interpretação pitoresca e cativante. 


Forgotten: horror e histórias de embalar 





Sinuoso e negro, Forgotten é espantosamente hábil na forma como engana e manipula o seu espectador. É sem dúvida o seu maior trunfo, conjugando eficazmente o ambiente frio e sombrio da ilha com o crescente suspense e drama das personagens, soberbamente interpretadas por Mina Tander e Laura de Boer. Excelente, excelente filme.


14 fevereiro 2013

Warm Bodies




R. é um homem como qualquer outro; desesperado por estabelecer uma ligação com outra pessoa. Só há um pequeno problema: R é um zombie!

Numa altura em que o universo zombie está novamente em força, Warm Bodies surge como uma comédia romântica nada convencional, juntando amor, horror e humor em saudáveis doses, contudo nem sempre com sucesso. Se a primeira parte está bem estruturada, com um ritmo excitante e mordaz, a segunda metade do filme peca por uma resolução demasiado rápida e fácil do conflito, sem grande emoção. Porque não um final “feliz” mais diferente e ousado?

Ainda assim, palmas a um adorável Nicholas Hoult, que nos traz um cativante e tímido R., a uma banda-sonora multifacetada e a uma narrativa que, não sendo impecável, nos proporciona encanto e boas gargalhadas!




31 janeiro 2013

Les Misèrables





Tecnicamente, Les Misérables entra em cena com uma mestria irrepreensível. Cenários, guarda-roupa e coreografias conjugam-se habilmente no intuito de seduzir o espectador. E conseguem-no. Pena é que não o cativem, que não o inflamem!

Um filme não pode viver apenas da forma, do deslumbre do olhar. Mesmo um musical. E de facto, não fosse pela entrega de Anne Hathway, pela paixão de Eddie Redmayne, pela dor de Samantha Barks ou pelo burlesco da dupla Helena Boham Carter/ Sacha Baron Cohen, e Les Misérables limitava-se a ser um mero desfilar de canções. No seu conjunto, falta-lhe alma! É algo desolador ver como os miseráveis, os da fome, os da miséria, os da injustiça, foram acossados pelo jugo do coro, sem uma concreta ou intensa voz. O contexto social e político da obra ficou dessa forma, se não esquecido, pelo menos bastante negligenciado, sob uma panóplia de números musicais que, a certa altura, se revelam penosamente longos. Não nego a existência de momentos extraordinários, dos quais destaco o “I Dreamed A Dream” de Hathaway ou o “Empty Chairs At Empty Tables” de Redmayne (e repito, estes dois são verdadeiramente portentosos!) mas penso que Tom Hooper tanto quis ser grandioso que acaba por pecar por um excesso de formalismo e pomposidade, esquecendo-se de desenvolver aceitavelmente quer a narrativa quer as personagens!

Assim, e apesar de algumas excelentes interpretações e sequências contagiantes, Les Misérables falha em transpor toda a carga emocional, histórica e social do épico que a pena de Victor Hugo tão arrebatadamente redigiu, não alcançando sequer a sumptuosidade a que se propôs.


28 janeiro 2013

The Impossible






Podia ter sido um mero dramalhão a explorar a tragédia que foi o tsunami de 2004, numa insuportável ou abjecta história “bigger than life”. Felizmente, não o é, nem sequer de tal se aproxima. 

“The Impossible” surge como um conto de sobrevivência e esperança, cru e inspirador. Que nunca se esquece da sua origem, “this is a true story”, espelhando uma sobriedade e uma humanidade tão necessárias, quanto sinceras. Qualidades essas, fruto não apenas do distinto e inventivo trabalho de Juan Antonio Bayona, mas também (principalmente, atrevo-mo) dos seus actores, magnífica e corajosa trindade: Naomi Watts, Ewan McGregor e Tom Holland. A agressividade com que a câmara trata Watts – veja-se a tumultuosa e pormenorizada cena em que é arrastada pela corrente ou, mais tarde, na sequência do hospital – é séria, quase obsessiva, mas nunca esquemática ou sem propósito, e Naomi Watts transmite na perfeição a dor e o desespero da sua personagem. Tom Holland, absoluta surpresa, de um prodigioso desempenho que faz sombra à sua tenra idade, revela uma candura, uma força e pragmatismo que nos impressionam do início ao fim. Pena é que McGregor não tenha tido o espaço suficiente para desenvolver a sua personagem, embora a sua “quebra” ao telefone seja, sem dúvida, um dos pontos altos do filme. 

Íntegro e consciente, “The Impossible” é sublime no modo como devasta o espectador, sem manipulações ou lágrimas fáceis, abraçando por completo a dimensão humana da história que nunca explora.