Quando o predador se torna a presa…
Estará esta afirmação, aparentemente definidora, afinal correcta? Quem é verdadeiramente o predador e quem é verdadeiramente a presa? Ao longo de inquietantes e penosos noventa minutos, nunca conseguimos ter a certeza. Como uma sombra, a ambiguidade moral paira sob as paredes róseas daquela moderna casa. Quem é a vítima? Estaremos perante um acto justificável? É desconcertante apercebermo-nos que, a dada altura, o alvo da nossa pena é o presumível pedófilo. Que a franzina menina nos desperta nada mais que raiva e repugnância. A certa altura, ouvimos da sua boca: “Jeff, Play time is over…now it’s time to wake up”. Talvez o seja para ambos. Contudo, nós espectadores, mais não somos que arremessados para as profundezas de um agonizante e perturbador jogo de incertezas e duplicidade, de uma opressiva violência psicológica.
É notável como um filme confinado praticamente a um cenário e a duas personagens consegue ser tão eficaz no seu propósito. Mérito para o conceito, hábil e inovador. Mérito para o realizador, de câmara vibrante, fluida e criativa. E por fim, mérito para os intérpretes deste dúbio e tenso confronto. Elle Page é absolutamente magnífica, num misto de fragilidade e calculismo que, mesmo arrepiante, nos hipnotiza. De discreto a desesperado, assim é a brilhante composição de Patrick Wilson.
Mas, apesar da sua inventiva abordagem, é com pesar que vejo no seu final um desolador desequilíbrio. É simples, o filme perde toda a ambivalência que exalava quando nos desilude com tal forçado desenlace.
Por outro lado, um pormenor deixa-me indecisa. Nunca sabemos as motivações de Hayley. Se na maioria do tempo, isso funciona a seu favor, é por vezes frustrante embater nessa sua natureza enigmática.
“Hard Candy”, embora algo instável, afirma-se como uma difícil e corajosa obra. Tormentosa e doentia. Contudo desafiante. Sem dúvida merecedora do nosso olhar.
"I am every little girl you ever watched,
touched, hurt, screwed, killed."